Holy Motors e Leos Carax, um convite à adentrar o cinema.

Cecília De Nichile do Festival do Rio 2012

O novo filme de Leos Carax, que teve sua pré estréia no Festival do Rio deste ano, é uma grande homenagem ao cinema. Não apenas por ser uma viagem pelos gêneros dessa arte, mas também pela discussão que levanta sobre o papel do cinema como construtor de personagens e vidas, as vezes mais ou menos parecidas com as nossas, que insistimos em experimentar dentro da sala escura.

O diretor, em entrevista, sintetizou suas motivações para Holy Motors como uma paixão e um desejo. Assíduo freqüentador de cinemas desde a infância, cresceu envolto por essa arte com a qual se identificava e pela qual conhecia novos mundos. O filme seria uma oportunidade de falar de seu apaixonamento pelo cinema e promover a experiência de estar vivo dentro de um novo mundo criado para a tela grande.

A segunda inspiração para o roteiro vem da reflexão sobre um desejo de Leos Carax que, quando sentia-se cansado de si mesmo, desejava poder se reinventar. No cinema, de certa forma, ele vislumbrou essa possibilidade de transformação e este filme teve como intenção ser uma experiência ao mesmo tempo criativa e perigosa, na qual o protagonista pudesse viver várias vidas em apenas um dia.

Com um roteiro nada convencional, o filme faz uso incansável das fantasias e da maquiagem, demonstrando infinitas possibilidades de metamorfoses e  experiências ao longo dessa história, ou das diversas histórias que parece contar. O que poderia se depreender desse carnaval de personagens é talvez uma referência ao quanto no dia a dia, nos vemos representando diferentes papéis dadas as diferentes circunstâncias. E talvez, a questão primordial, seria justamente essa possibilidade de deixar de ser o que acreditamos ser, para poder ser outros quando assim o desejássemos.

Essa discussão é bastante atual e podemos encontrar ecos dela no comportamento contemporâneo. A aparência nos dias de hoje tem um valor alto e as fantasias também são usadas com certa freqüência. A publicidade nos vende os meios para nos tornar personalidades previamente imaginadas. Se tivermos dinheiro facilmente podemos experimentar ser saudáveis, eficientes, amados e seguros, a liberdade esta ao alcance da carteira. E se não houver o dinheiro, sempre é possível se auto representar virtualmente e se maquiar de sucesso e alegria nas mídias sociais.

Holy Motors nos apresenta dois espaços, o da limusine, que o próprio diretor compara a uma grande bolha, na qual não podemos penetrar olhando de fora, mas que é mascarada de luxo e o espaço exterior, local onde é permitido viver as experiências fantasiadas. O protagonista, que parece ter como profissão habitar essas “personas”,  transforma-se a cada encontro marcado dentro deste espaço aonde ele não passa de um funcionário reservado. Porém, é no espaço externo, que juntamente com ele, o espectador se surpreende e experimenta o terror, a tristeza, o romance, a euforia, o suspense e porque não o mistério.

No entanto, essa passagem pelos gêneros cinematográficos é envolta por um clima de estranhamento. O enredo trabalha com os clichês, porém em um sentido contrário. Desconstruindo esses papéis que adotamos como alegorias de personagem, os questiona e coloca em pauta temas como o ideal feminino, o amor e principalmente a dor, representação tão presente desde os primórdios do cinema. Talvez estimule perguntas sobre se essas são as experiências que gostaríamos de viver, ou se elas nos são vendidas? O cinema seria como uma extensão dos nossos sonhos ou como um criador de sonhos?

Como diria o personagem, o que o move é a beleza do gesto e talvez o que nos impulsione a ir ao cinema seja o encanto que toda essa fantasia e essa maquiagem produzem. A sala escura como essa possibilidade de, durante alguns minutos, experimentar diferentes sensações, desejos e medos, como um abandono do eu já conhecido e um mergulho em outras realidades.

Em seu filme, logo no início, Leos Carax sai de sua cama escura e nos leva direto para a porta dos sonhos. O mundo da imaginação é a sala de cinema e o que faz com que aceitemos esse convite, sentemos na poltrona e entremos nesse jogo, é a inevitável vontade de nos transportar por esse universo de ilusão que é o cinema.

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